quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A POSSIBILIDADE DE ALFABETIZAR LETRANDO: QUESTÕES DO ESTÁGIO
Nária Aparecida Moura Ribas*
Palavras-chave: alfabetização; letramento; séries iniciais

Introdução
      O estágio possibilita uma série de reflexões acerca da alfabetização nos anos iniciais, desta maneira torna-se significativo tratar aqui da questão da alfabetização com enfoque no que desrespeito ao letramento, como as crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental I tem sido alfabetizadas, um questionamento que resgada conceitos importantes em relação a prática social do uso da escrita.
      O estágio foi realizado em uma sala de 1º ano do Ensino Fundamental, na escola pública, Escola Municipal de Ensino Infantil e Ensino Fundamental Nossa Senhora Auxiliadora, na cidade de Hortolândia, com o objetivo de observar e refletir o processo de alfabetização das crianças e a maneira que esse processo é construído pelo professor, dessa forma a metodologia utilizada foram as observações diárias e entrevista com a professora referente a sua formação acadêmica, apresentando ainda as análises e considerações frente as resultados obtidos.

As discussões acerca do alfabetizar letrando: um olhar no estágio
      Para iniciar as discussões acerca da alfabetização nas séries iniciais é necessário frisar primeiramente a questão do ensino de nove anos, ao qual o Ensino Fundamental sofreu uma mudança recente, frente aos conteúdos e a maneira a ser trabalhada com as crianças que agora ingressam nesta etapa com seis anos.
      Brandão (2009) apresenta em seu texto a legislação que aborda esta mudança. Inicialmente por meio da lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005, modificando o art. 6º da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB), determinando que fosse diminuída de sete para seis anos de idade mínima o ingresso da criança no Ensino Fundamental, complementando nove meses depois com a Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, determinando que o Ensino Fundamental no Brasil passasse a ter duração de nove anos.
      Com a lei os municípios tiveram que se organizarem para atender as exigências, mas muitos ainda se acomodaram e continuam apenas com uma adaptação deste ensino de nove anos. É o caso da escola estagiada, ao qual os primeiros anos ainda estão funcionando no prédio de uma escola de educação infantil, sendo modificado o nome da escola para atender todas as etapas, englobando ensino infantil e fundamental.
            Mas a questão primordial deste contexto é a questão do currículo, o que trabalhar com estas crianças que faziam parte de um ensino infantil e agora estão no ensino fundamental, a necessidade de alfabetizá-las logo no início deste novo 1º ano é adequada a proposta inicial exigida pelos documentos e como foi observada essa questão na sala estagiada.
            Para Brandão (2009) a readequação da estrutura curricular é fundamental, mas devem levar em consideração que as atividades a serem desenvolvidas nesta série não podem ser as mesmas da Educação Infantil e nem constituir a antecipação pura e simples dos conteúdos exigidos para a “antiga” primeira série do Ensino Fundamental. Concluindo que:
...entendemos que ampliar o Ensino Fundamental de oito para nove anos de duração significa, em última instância, aumentar a democratização do acesso à escolarização aos grupos menos favorecidos da sociedade brasileira, por meio da valorização da escola. Claro que não podemos nos contentar apenas com a ampliação do acesso à escola, mas também devemos procurar aumentar o porcentual de sucesso escolar e diminuir o porcentual de evasão. A conjunção desses três fatores pode fazer a escola ( e da escolarização) um significativo vetor da cidadania às crianças pertencentes às classes sociais menos favorecidas. (BRANDÃO, 2009, p. 25)

            Batista (2009) coloca ainda que é necessário fazer uma seleção do que é “relevante” como conteúdo escolar, considerando a idade e o desenvolvimento da criança de seis anos, apresentando um trabalho pedagógico que comporte diferentes tipos de atividades, sejam elas, diversificadas, coletivas, independentes e individuais.
            Logo o ensino de nove anos torna-se importante para a universalização e acesso à escolarização, mas é essencial um olhar especial para esta etapa, para que os alunos não sejam sufocados por conteúdos exaustivos e percam o prazer em aprender.
            É o que observa-se no estágio, as crianças com uma série de atividades em folhas, enfatizando somente a alfabetização, sem atividades lúdicas que complementem o trabalho e o torne mais prazeroso e significativo, além de apresentar atividades somente isoladas, totalmente destoantes do contexto da criança.
            Cabe então, a necessidade de uma reflexão entorno do processo de alfabetização e letramento relacionadas com as observações do estágio, à medida que o trabalho da professora com os alunos de primeiro ano enfatiza a questão da alfabetização como papel norteador de todo seu trabalho.
            Leite (2001) caracteriza como um desafio para os profissionais de Educação a questão do processo de alfabetização, dizendo que apesar do grande progresso teórico-metodológico na área, a formação do aluno como um componente leitor e produtor de texto, em escolas públicas e particulares, ainda se coloca como um dos grandes objetivos a serem alcançados.
            Portanto o fato de muitos professores passarem por uma formação acadêmica e reflexiva a respeito do processo de alfabetização, não garante que o trabalho será pautado em uma alfabetização que garanta ao aluno entender e utilizar a prática da escrita em seu uso social, decorrendo de atividades simplista com base na formação de sílabas e palavras, não apresentando nenhum significado à criança.
            Assim o conceito de alfabetização e letramento se distanciam de maneira isolada, mas à medida que existe uma reflexão a cerca deste dois processos, enriquece a possibilidade da construção do processo de aprendizagem da criança, garantindo que tenha um ensino de qualidade que aborde todos os aspectos essenciais para uma aprendizagem mais significativa, portanto considerar a escrita como uma prática de uso social, além da representação da linguagem é fundamental.
Contudo o fato de ensinar alfabetizando letrando o alunos, significa dar a possibilidade de conhecer a escrita e a leitura no seu uso social, não só como uma questão de treino mecânico para identificar a escrita, até porque a  escrita e a leitura é uma forma de se estar na linguagem, por isso a importância de ter uma significação. Sabendo ainda que a criança já é letrada antes mesmos de ser alfabetizada, porque no meio em que vive já está em contato com a leitura e a escrita, Kleiman (1995) reforça isso ao citar:
... as crianças são letradas, no sentido de possuírem estratégias orais letradas, antes mesmo de serem alfabetizadas. Uma criança que compreende quando o adulto lhe diz: “Olha o que a fada madrinha trouxe hoje!” está fazendo uma relação com um texto escrito, o conto de fadas: assim, ela está participando de um evento de letramento (porque já participou de outros, como o de ouvir uma estorinha antes de dormir); também está aprendendo uma prática discursiva letrada, e portanto pode ser considerada letrada, mesmo que ainda não saiba ler e escrever. (KLEIMAN, 1995, p.18)

          Nesta perspectiva Leite (2001) a alfabetização pensada isoladamente como no ensino tradicional anteriormente considera a escrita apenas uma representação da fala, representando estas por códigos, sem a preocupação da função da linguagem. Enquanto o letramento é utilizar a escrita socialmente, como a linguagem, expressar seus pensamentos, realizar registros, apropriar-se socialmente da escrita, através de seu uso social.
          Acrescenta ainda, que o letrado consegue fazer uma interpretação do texto e relacioná-lo com sua vida social, diferentemente do alfabetizado que codifica e não consegue interpretar o sentido do texto. A medida que é letrado muda sua condição social e cultural, pois adquiri mais conhecimento, mudando sua posição, criticando e questionando.
          Desta maneira a proposta de alfabetização observada no estágio vem de contramão com toda as bases teóricas a respeito de alfabetização e letramento, o fato da professora trabalhar apenas com atividades isoladas e desconexas da vida criança, impossibilidade estas crianças a entenderem e vivenciar a escrita como prática social, até mesmo dificultando a compreensão e o sentido da escrita na linguagem e na vida social.
          Portanto para Leite (2009) o papel do professor alfabetizador é mediar o processo de alfabetização, pensando na prática que vai abranger o desafio de hoje, alfabetizar letrando, possibilitando o aluno de além de representar a escrita, interpretar e compreender o mundo, afirmando que:

... é possível desenvolver o processo de alfabetização escolar simultaneamente ao envolvimento dos alunos com as práticas sociais da escrita. Isso, ocorre, por exemplo, quando os professores alfabetizadores utilizam textos verdadeiros durante a alfabetização, desprezando as antigas práticas de letramento que só existiam no interior da escola, como os textos tradicionais das velhas cartilhas. (LEITE, 2001, p. 32)

Considerações finais
A observação na sala de aula frente a análise das questões do letramento contribuíram muito para uma reflexão acerca da alfabetização das crianças. O fato de não reconhecer no trabalho da professora o letramento em evidência, que envolve as crianças, possibilitando a construção da escrita e leitura como uso na prática social me faz querer buscar meios para que isso acorra de fato, vontade de ensinar e ver os resultados na minha própria prática, constatando a importância do ensino dessa maneira para a formação da criança como ser humano capaz de intervir com ações efetivas na sociedade.
            Mas o que se vê no geral na sala de aula é que a maioria das crianças já estão lendo e escrevendo com apenas seis anos de idade, então nos perguntamos: mas de que forma as crianças estão realizando esta leitura, conseguem realizar uma leitura de mundo, interpretando e relacionando com sua prática social ou apenas descobrindo a escrita de forma isolada de todo o contexto, ao qual se torna totalmente sem significação para o processo de construção da aprendizagem.
            Cabe enfatizar depois de toda a reflexão a necessidade de se continuar discutindo acerca da alfabetização nas séries iniciais, há muito ainda para ser conquistado e garantir que todas as crianças tenham um ensino de qualidade que contemple a construção da linguagem escrita como uma prática social.

Referências bibliográficas
BATISTA, Cleide V. M. A educação da criança de seis anos. In: BRANDÃO, Carlos da Fonseca; PASCHOAL, Jaqueline Delgado (Orgs). Ensino Fundamental de 9 anos: teoria e prática na sala de aula. São Paulo: Avercamp, 2009.
BRANDÃO, Carlos da Fonseca. O Ensino fundamental de nove anos e a legislação educacional brasileira. In: BRANDÃO, Carlos da Fonseca; PASCHOAL, Jaqueline Delgado (Orgs). Ensino Fundamental de 9 anos: teoria e prática na sala de aula. São Paulo: Avercamp, 2009.
KLEIMAN, A. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: (ORG). Os Significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
LEITE, S. A. S. (org). Alfabetização e Letramento: contribuições para as práticas pedagógicas. Campinas: Komedi: Arte Escrita, 2001.
  

2 comentários:

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